Sobrevi Vento Envergonhado

Sobreviventes do incrível homem vento...

O Homem Vento

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Onde?


partir

partir

partir é

terça-feira, julho 22, 2008

Sobrevivento Envergonhado

O vento envergonhado se reduz a brisa, seleciona sobreviventes.

Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 7/22/2008 03:54:00 AM   0 suspiros

domingo, abril 06, 2008
Anotações
Escrever me faz bem. Seria maravilhoso se eu pudesse andar com o caderno para anotar tudo o que eu gostaria de me lembrar, mas notei que escrever tudo seria desgastante. Depois notei que também seria um desperdício, primeiro porque escrever isso tudo gastaria um tempo incalculável, mas principalmente porque alguns momentos devem ser somente vividos.

Concluído o fato de que escrever tudo é impossível, adotei o bloco de anotações e o método “uma frase que lembra todo o resto”. Não foi de todo descartado, mas o que tenho hoje é um bloco quase desintegrado, do qual nem um terço foi usado, e que deixou de freqüentar o meu bolso para descansar ora na minha estante, ora na minha mochila. Abri tão poucas vezes para lê-lo que consigo me lembrar de cada uma. Algumas frases não me fazem lembrar de todo o resto como o planejado e outras simplesmente não fazem mais sentido na minha vida. As coisas que expliquei de mais perderam a graça.

Cheguei à conclusão de que o melhor meio de conseguir o que quero é, como eu detesto ouvir, “organizar as idéias”. Não parece tão ruim no papel.

Ah, o papel muda tudo.

No fim, escrever tem que ser um momento especial e raro que eu possa apreciar e saborear como outros momentos especiais e raros.

“Uns dias de férias, esperando por uma noite que vai te fazer perder todo o resto dos seus dias.” Essa não deixou de me lembrar de todo o resto e ainda faz sentido na minha vida, mas com certeza eu não vou usá-la. Estou dando para alguém que queira.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 4/06/2008 09:12:00 PM   6 suspiros

segunda-feira, dezembro 31, 2007
Meu Último Dia
Depois de toda a confusão, depois de tanta dor e barulhos agudos, é estranho me sentir calmo assim. Agora, mais nada existe além de mim. Estou me sentindo novo e disposto a respirar, estou me sentindo muito bem, mesmo sem estar alegre ou feliz. No entanto, não parece me faltar nada: eu estou satisfeito da vida que levei, do trabalho que fiz ora para os outros, ora para mim. Estou rodeado de alguma luz que não preciso dos olhos para ver, posso senti-la aconchegar-me.

Não é mais o hospital aqui. Onde estou então? Aqui tem paz para a minha mente, ar puro para meus pulmões e bastante de mim disputando espaço com uma tristeza que não é minha. Muito de mim e uma tristeza que não é minha. Onde estou? Por entre a luz confortável, árvores estão se materializando, formando caminhos. Entre um deles, lá está a tristeza respirando fundo, buscando por mim. Enquanto ela me chama, percebo que ela é aquele amigo mais companheiro e mais irmão que eu pude ter. Desde menino, ele me fez rir, pensar, enxergar e ir adiante. Sempre me tinha feito ir adiante.

Entre as lembranças, uma nova de encorajamento. Ele me encorajava enquanto eu estava inconsciente e isso me faz tão grato – ele passou todos esses momentos ao meu lado – que meu sentimento atinge um ponto em que pode tocá-lo. Eu consigo ver minha gratidão abraçá-lo e então é isso.

Devagar sua imagem começa a se dissipar, as árvores estão se desmaterializando. Sua presença se torna quase imperceptível porque sua pequena porção de tristeza agora se confunde com a luz em que se transformou, e essa se confunde com a luz que me aconchega. Tenho uma ligeira sensação das coisas que, aos poucos, vão se transformando novamente, formando barreiras já ultrapassadas por onde eu vou caminhar. As coisas novas ficam muito nítidas para mim, mas sei o que de antigo ainda está lá, eu sei o que de imortal me acompanha. Olho para as novas barreiras antecipando um passo, completamente estimulado a ir adiante.

(por Renan Ramiro)

Complemento: Meus Últimos Dias e a Segunda Pessoa de Três Fragmentos em Primeira Pessoa

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 12/31/2007 02:03:00 PM   1 suspiros

terça-feira, dezembro 11, 2007
No Ônibus
Você estava de passagem, eu estava de passagem. Você, em pé, me perguntou usando a cara mais exata que poderia fazer.

- Posso me sentar aqui?

Se podia se sentar ao meu lado. Eu balancei a cabeça pra cima e pra baixo indicando que você podia, tentando parecer natural, sem demonstrar como eu estava feliz por você estar se sentando do meu lado pela primeira vez, como iria fazer por toda a sua vida. Eu percebi que tínhamos sido feitos um para o outro e que aquele momento era o encontro.

Nem muito tempo se tinha passado ali dentro e seus olhos estavam fechados, o seu corpo jogado na poltrona, a sua perna relaxava encostando à minha, balançando com a minha perna e estrada. Ali, a fusão que me levava ao futuro. Logo mesmo estaríamos juntos na cama, com seus olhos fechados e a boca um pouco aberta sussurrando qualquer coisa tola com ar quente na minha orelha, nos fazendo rir um riso longo e puro que só cessaria quando nos sentíssemos como amigos de infância se sentem na presença um do outro. No neutro ônibus, enquanto sua perna roçava na minha, eu já podia ver tudo o que iria acontecer depois daqueles risos inocentes, transformando o fim da tarde num segundo; já via as noites que íamos passar lado a lado, cuidando de nós mesmos, ninando. A estrada transformava o roçar num carinho. Era um carinho! Um carinho me pedindo a vida, mostrando desde nossa busca mútua até o fim dos nossos tempos. A pessoa certa.

Não, devaneios. Eu era, de repente, o indecente que precisava pedir desculpas pelos seus devaneios, pela sua mente. Devia-lhe desculpas por nossa história ser assim um cochilo seu e um sonho meu. Uma mentira inventada no ônibus, para distrair. O que você fez foi apenas se sentar e dormir...

Relaxar as pernas... Fazer carinho... Na minha estrada. Talvez então não tivesse sido tão mentira assim. Tudo de novo.

Sua cabeça virada pra cima pelo jeito da poltrona, olhos fechados, sua pele e cabelos com o brilho fosco que você vai saber no futuro que eu adoro em você. Tinha parado de sentir sua perna: vi que eu estava ficando em pé, aproximando meu rosto do seu. Devaneios. Os rostos cada vez mais próximos. Mentira para distrair. O ar que vinha do teto no seu cabelo. Indecente. A pele tão próxima. Qualquer coisa tola. Abriu os olhos, num despertar assustado. A pessoa certa.

- Você vai descer aqui?

Eu balancei a cabeça pra cima e pra baixo indicando que sim e, saindo, esbarrei a última vez com as suas pernas - última de tantas outras que viriam. Desci do ônibus.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 12/11/2007 11:21:00 PM   6 suspiros

sexta-feira, novembro 09, 2007
Muito Tempo
Filha, o primeiro motivo pelo qual eu gostaria de lhe pedir desculpas é não ter deixado – ou ter impedido de alguma forma - você ter um bom aniversário de 15 anos, ou um baile de debutante, apesar disso não ser coisa que combina com você. Desculpas por ter feito um dia tão especial pra você ter se tornado um dia, de certa forma, irrelevante. Eu tentei ser forte até lá, mas o fato é que já estava adiando a conseqüência dos atos que cometi jovem um pouco do que devia.

Outro motivo pelo qual peço desculpas é por ter feito você ver algumas pessoas que você gosta tristes, algumas vezes contendo algum choro, algumas vezes transbordando. Sei que sua maior dor foi por eles e sinto muito por isso. Desculpe-me também pelas vezes que não te abracei; que pude fazer, mas não soube como ou, em alguns casos, que não me deixei saber que era isso o que você precisava. Sei hoje você se conformou com os abraços que a vida pôde lhe dar e eu lhe digo, minha filha, que isso é um dom. Um dom existente entre muitos outros que admiro em você.

Claro que você não sabe disso, mas quando não sabia nem o que eram números, me ensinou muita coisa sobre a vida. Com o passar do tempo, suas preocupações foram mudando e minha atenção foi um pouco desviada de você, provavelmente porque era a hora de eu assumir responsabilidades. Era minha vez de lhe ensinar. Ensinei, sim. Mas gostaria de ter ensinado muito mais. Gostaria de ter respondido todas as perguntas que você iria perguntar quando estivesse comigo embora uma grande parte das respostas que acredito que você saiba melhor do que eu.

Quando não pude mais, não agüentava mais e quando enfim cedi, foi você que me ensinou que morrer não era tão ruim. Foi bem quando meu corpo disse chega que enxerguei você bem nitidamente na minha vida; você esteve lá. De repente você estava na minha passagem também. E, vendo você, pequenina, não era tão difícil. Não era porque você sorria. Seu sorriso foi a minha motivação e quando me dei conta, todo o mal já tinha passado.

Pode ser que você só enxergue a barreira que há entre nós, mas fatalmente existe uma ligação ainda maior. Não é muito perceptível para alguns sentidos que você tem tão aflorados mas lhe digo que há. Também digo que sempre que posso estou tentando fazer você ver as respostas das perguntas que você teria feito. Respostas que poderiam ser menos visualizadas se respondidas naquele... Naquele pouco tempo.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 11/09/2007 11:33:00 PM   4 suspiros

sábado, outubro 13, 2007
Dorme Assim
Agora dorme.

Deita sua mão no meu peito que, eu lhe protegendo, você me nina também. Aproveita o amor que paira, o conforto calmo e a vontade passada. Toda a minha extensão repousada.
Aproveita.
Deita.

Fecha os olhos feito neve, sente a superfície clara e leve. Sonha e me leva. Me mostra direito até onde o sentimento se eleva.

Entende de vez que dá certo. Tranqüiliza essa expressão na face e assume, com um aperto forte da sua mão na minha pele, que é sua a permissão. Relaxa, enfim. E dorme.

Aproxima um pouco mais e se desliga.
Porque se você, que pode, não fizer, não é justo que eu, sozinho, consiga.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 10/13/2007 04:04:00 PM   7 suspiros

terça-feira, setembro 25, 2007
Vício X Zelo
Abigail Aguiar é bolero e catitice. Desde menina, ao chegar em casa no fim da tarde, ligava o seu tocador de fitas com o último bolero e colocava seu vestido amarelo, leve. Na varanda, o som harmonioso em sincronia com seus passos, sua mão esquerda no ar, na altura do pescoço, como quem pede para que a música não termine e o faz sem deixar de senti-la. Talvez uma mão a espera de um par. Dois para um lado, dois para o outro. De olhos fechados, sentindo o que fosse de sentir no momento, com o seu vestido leve esvoaçante. Um pouco abaixo dos joelhos, o borrão amarelo do tecido subia e descia. Dois para um lado e dois pro outro. Passos lentos. Um sorriso leve no rosto.

Mesmo com o passar dos anos, Abigail Aguiar ainda ao amarelo antigo, agora envelhecido, liga o toca-fitas com o dedo um pouco enrugado, e se embala. Ela se embala por dentro, se embala por fora. Levanta a mão esquerda no ar e agora toca de leve seu ombro. Acalenta-se. O último bolero agora já é velho mas os seus olhos ainda se fecham, sua boca ainda sorri tão leve quanto o movimento do seu vestido, apenas com a diferença de que agora todos esse movimentos mostram marcas do passado. Lá há marcas de que Abigail nunca deixou de fechar os olhos, nem de sorrir e nem de dançar com o vestido amarelo. Apesar de seus sempres, não existe imutável em lugar nenhum.

Abigail Aguiar, agora arfante, acostumou-se ao bordejo cego de espera. Aceitou seu vestido como parceiro. Afinal, sua vida era o bolero e o bordejo enfático: dois para um lado, dois para o outro. E quando Abigail transpira sua música e seu amarelo, o povo vê Abigail Aguiar alegre ao bolero, catita e dançando fascinada... E todo o resto do alfabeto.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 9/25/2007 08:51:00 PM   4 suspiros

domingo, setembro 02, 2007
Estilo, Espelho e Terceira Pessoa
Terça-feira era seu dia de barbear. Sabia que quarta-feira era dia de estranharem o seu rosto nu e pegava a navalha afiada, se espumava na cara toda, tirava tudo, jogava nos cantos da pia. Deixava a pia molhada com espuma e pêlos. Era assim terminavam as suas terças-feiras.

Certa terça-feira, sua navalha passou pela sua orelha direita, arrancando-lhe um pedaço. Deixou então a pia molhada com espuma, carne, sangue e pêlos. No dia seguinte, em um tempo em que já haviam se acostumado com a nudez própria das quartas-feiras, passaram a estranhar a nova ausência. Foi assim que ele se sentiu indescritivelmente bem fugindo da rotina das quartas. Indescritivelmente bem - um estado que realmente só ele e seu narrador onisciente podem saber.

E que fique bem claro que esse texto possui um narrador onisciente (que supostamente sabe também onde um texto deve acabar), para que entendam a sua estranheza.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 9/02/2007 12:25:00 PM   5 suspiros

domingo, agosto 26, 2007
Isso
Areia, pedra, vento e mar. O sol já fora de vista. Observando nada, em um momento desimportante... Apenas na pedra, observando o mar, com o vento no rosto, passando forte pelos ouvidos e orquestrando harmonicamente com o som do mar. Foi assim, sem lugar, sem hora marcada que ele apareceu.

Pedra, vento, mar. O sol já fora de vista. Eu; ele. O esperado reencontro esperando por resoluções. Areia.

A presença às minhas costas fez o som do vento em meus ouvidos diminuir.

- Você aqui... Eu não imaginava...

Reconheci a voz, o tom, o ritmo pausado. Eu; ele. O esperado reencontro. Nem precisei me virar para trás. Estava o sentindo, e estava exatamente como a última vez em que havia o visto. Senti seu nervosismo causado pela minha presença e todo o corpo paralisado, exceto pelos pés que descalços encravavam alguns dedos sob a areia. Olhei o mar e fechei os olhos: senti sua tristeza.

- Eu apenas esperava. – eu disse, abrindo os olhos – Sempre esperei.

- Sinto muito.

- Eu também sinto. Você...

- Eu quis não dar certo.

Não era o que eu esperava ouvir

- Isso.

Ficamos em silêncio, eu, ele, vento e mar. O sol já fora de vista, esperando resoluções. Pedra. Os dedos dos pés sob a areia. Falei, de repente:

- Você desistiu, na verdade!

Ele abaixou a cabeça.

- Isso.

E eu sabia! Eu! Ele, que sempre era o otimista, que dizia que o mal, na verdade, sempre vencia e que o otimismo era a única arma que os bons tinham contra ele. Ele! Ele desistiu. Talvez o excesso de otimismo na época ou talvez porque não queria deixar de lado a teoria de que o mal sempre vencia. Pensando bem, eu me perguntava se esse era considerado um mal para ele... Apenas me perguntava. Virei para trás e olhei para ele, ainda de cabeça baixa. Observei-o por um tempo até que ele levantasse a cabeça e olhasse diretamente para mim. Olhou então para o horizonte: o mar.

- E não temos mais tempo, não é mesmo?... Não existe outra forma, existe?

- Isso.

Era a resolução. O esperado fim acontecendo. Indesistível, era como era pra ser. Não era hora de voltar agora.

- O sol já está fora de vista.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 8/26/2007 11:37:00 AM   2 suspiros

sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Baseado em Ironias Reais
Faltando não muito tempo para começar um outro dia, na sala de estar da casa estão sentados a mãe e os dois filhos. O mais velho, vê TV. O mais novo, estuda. A mãe decide ir dormir.

- Acho que ALGUÉM também vai seguir o rumo da cama... Quem tem aula amanhã? - a mãe diz para o filho mais novo. Ironia: "Seguir o rumo da cama" soa como "Vamos passear na floresta"; A pergunta é direcionada coincidentemente a quem tem aula amanhã.

- Ah, obrigado por me lembrar! - ele responde, um pouco concentrado. Ironia: Ele não se sente agradecido, claro.

A mãe:

- Isso foi... irônico? - Ironia: Isso foi irônico.

- Bom, acho que eu sei bem quando eu tenho aula. - Ironia: Amanhã ele estará morrendo de sono, durante a aula.

- Todo mundo nessa casa é irônico, não é, Totó? - o irmão mais velho, pro cachorro. Ironia: O cachorro não é irônico.

Totó balança o rabo.

- Eu acabo de aprender algo com você, filho - a mãe fala um pouco amarga. Ironia: Filho ensinar a mãe.

O filho pergunta:

- Ah, é? E o que você aprendeu? - Ironia: Demasiado interesse forjado.

A mãe sai furiosa e vai deitar, sem responder.

O tempo passa. O programa do filho mais velho termina. O cachorro decide ir pro seu canto. A matéria do filho mais novo termina. Ele vai pra cama, com sono e, antes de se deitar, ele passa no quarto da mãe e apaga seu abajur. Antes de sair do quarto, o filho diz:

- Boa noite.

Ironia: Eles se amam.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 2/23/2007 06:28:00 PM   9 suspiros

quinta-feira, janeiro 18, 2007
À Noite
Era bela, porém horrenda.

Como nos trens-fantasmas dos parques de diversões que eu ia quando pequeno... Era bela de costas. De frente, horrenda.

Os cabelos longos, caídos ao longo de suas costas tinham um ar sensual enquanto que frontalmente via-se fios descabelados, em uma franja de tom psicopáta. Olheiras. Olhos esbugalhados, assustados e convictos... corajosos! O nariz a farejar sileciosamente, como uma raposa em busca da presa mais esperta que encontrar. A boca buscando por sangue... Os dentes já gastos sob os lábios fechados, com certeza ainda tinham muita pele para furar, ainda tinham muita veia para encontrar. Sua pele branca, pálida... Era bela, porém horrenda.

Depois da caminhada sileciosa pelo corredor escuro, ela abre a porta do meu quarto e só o que posso ver são seus olhos claros, sua face se aproximando. Nossos narizes encostados. Sinto o ar entrando em seu nariz louco por sangue. Bela, sobre mim... e horrenda!

- Não pode... É invenção minha - sussurrei.

No mesmo tom de voz, por entre seus compridos caninos, a ouvi farfalhar:

- Posso. Você me deu a vida... e precisa continuar...

Levantei um pouco a cabeça, e senti pelos toques de seus cabelos, seu olhos mirarem meu pescoço... admirarem... Senti uma pontada forte, sustentando-a.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 1/18/2007 03:51:00 PM   4 suspiros

quarta-feira, janeiro 17, 2007
Para Nada
Esta noite Mauro sonhou que ganhou o concurso de quem bebia mais água, acordou com certa pressa sem se lembrar do sonho, foi ao banheiro, levantou a tampa, e começou a urinar.
Vinte e cinco segundos depois, Mauro ainda urinava.
E ficou lá, intrigado.
E ficou lá.
E ficou...
... urinando sonhos.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 1/17/2007 06:03:00 PM   4 suspiros

sábado, dezembro 23, 2006
Corpos Inc.
Não havia mais espaços para vaidades. Ela não gostava de ser careca, não gostava de ter a pele do pé enrugada, mas não tinha o que fazer. Nem mesmo se importava com o gelo da cama onde deitava.

E ninguém se importa... Mexem com o coração dela, mexem com outras coisas dentro dela. Ninguém se importa se ela tem ou não alguma vaidade. Ninguém se importa se ela tem ou não família. Ninguém se importa sobre como ela seria se não fosse careca. Mas eu digo, seria linda. Linda e vaidosa.

Nunca se sentiu bem quando nua na frente de alguém. Jamais quis ser tocada como está sendo tocada agora. Mas não haviam vontades ali!

A única vontade, talvez um pouco egoísta e ofensiva, estava nas pessoas que freqüentavam o quarto dela todos os dias. Uma vontade sublime de sabedoria, pela humanidade. Vontade que os alunos tinham de aprender, vontade que o professor tinha de ensinar, vontade que ele tinha de sair com a aluna dos olhos azuis. Vontade que ninguém tinha de pensar na vida e nas vaidades do cadáver da aula de anatomia, mesmo visitando-o quase todos os dias.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 12/23/2006 02:44:00 PM   2 suspiros

quarta-feira, dezembro 20, 2006
Problemas de Estação
Assim como o começo da minha vida, quando fui separado do meu cadarço original, o fim está sendo duro para mim. Jamais imaginei que, depois das aventuras que vivi, teria então muito tempo para lembrá-las.

Conheci meu dono no fim de sua adolescência. Logo meus cadarços brancos foram trocados por cadarços verdes e, depois de umas voltas pela cidade, fomos atrás do seu primeiro emprego. Conseguimos numa loja de calçados. Durante o serviço, ele tinha que usar outro calçado, mas sempre quando terminava o expediente, me claçava e pegávamos o ônibus (correndo, algumas vezes). Sempre fiel a mim. Eu nem reclamava de esperá-lo no trabalho, já que eu sempre estava conhecendo calçados novos, simpáticos, confortáveis e de última linha. Cada um com sua história por acontecer, querendo saber se eram ou não da moda, gostando ou não disso. Mas nenhum daqueles destinos talvez fosse tão bom como foi o meu.

Quantas vezes pulei nos shows da banda preferida dele! Quantas vezes suportei estar debaixo da poltrona do cinema vendo uma melissa moderninha a se balançar lá fora. E por quanto tempo bati com a cara na parede quando o namoro do meu dono com a dona dela não deu certo! Como me senti aliviado em revê-lo quando quase fui roubado!

Tanta coisa para, no fim, o calor fazê-lo trocar-me por um chinelo e, ainda pior, um outro tênis mais aberto e fresco. Que saudade eu sinto de cruzar os tornozelos... que saudades eu sinto do inverno de verdade!

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 12/20/2006 11:26:00 AM   4 suspiros

quarta-feira, agosto 30, 2006
O Que Podemos Aprender com Professores de História
A vida é bem esquisitinha ás vezes. As coisas vão mudando não tão devagar quanto pensamos.

Ultimamente eu tenho me sentido mais triste, não sei por quê. Não digo triste, digo menos feliz. É esquisito, você ver que está amadurecendo, sabe? E então não querer amadurecer, ficar com saudades do instante anterior, de você, do sentimento que se tinha por algumas pessoas e que agora vão se tranformando superficiais. Os gostos vão mudando. Mas você não quer mudar.

É tipo aquela história dos caras que estavam presos dentro de uma caverna e, quando um conseguiu se soltar, saiu e, vendo a beleza de fora, voltou pra soltar os outros e esses outros mataram-no. Ás vezes é mais cômodo continuar dormindo do que acordar. É assim que me sinto, preso ao meu passado. Mas por que de um momento tão rápido se fez outro? Talvez os estudos, que criam mais responsabilidades, os compromissos que vamos arrumando, as piadas que vamos (des)entendendo. Fases são fases, claro, não nos é permitido saber se no futuro seremos aquele que venceu na vida profissinal, familiar, amorosa, ou teremos enlouquecido por excesso de informação, pode ser que nesse mundo logo sejamos apenas ossos em uma cova... e lembranças.

Quando eu peguei dengue, perdi uma semana de aula e, por não conseguir estudar, não consegui dar continuidade nas matérias, fui mal em história e fui obrigado a prestar atenção nas aulas do professor considerado o mais chato, só porque a voz dele é quase um sonífero. Ele não é uma pessoa ruim, e passa a matéria bem e ninguém, incluindo eu, tinha feito um esforço grande o bastante pra não dormir nem um momento durante toda a aula.

Um dia o professor perguntou o contrário de coletivismo e disseram que era solidão. O professor fez a observação de que solidão é um estado psicológico: uma pessoa pode estar acompanhada de muitas pessoas e se sentir sozinha. Eu me sinto solitário, e, terrivelmente, não me sinto muito carente. É quase como comer em um lixão: você detesta aquilo, mas se sente satisfeito. A diferença é o físico e o metafísico. Que triste eu estar falando isso. Que triste eu estar escrevendo isso num blog. E eu sei que meus amigos não vão acessar isso. Mas eu escrevo por mim. Não como desabafo. Mas como um grito que algum dia alguém vai escutar. Porque eu escuto esses gritos, ainda que tardiamente. Será que mais alguém ouve?

Eu não sei a que turma eu pertenço. Ao mesmo tempo que sou quase uma criança, me sinto enrugado por dentro. O professor de história é enrugado por fora, casou e separou várias vezes, provavelmente ainda espera por uma pessoa certa, e ainda espera que os alunos se interessem pela aula dele. Ainda que os alunos não se interessem, ele espera que eles não levem isso para o lado pessoal. Por que a gente espera tanto? O que a gente faz de errado?

Esses dia atrás, em um dia de prova, o professor de história estava 'inspecionando' a minha sala, os anos escolares se misturam em dia de prova e eu pude ver que as pessoas tratam bem mal o professor até quando ele não dá aula. Cheguei a vê-lo estender a mão para uma menina do segundo ano num gesto de "toca aí, você terminou a prova, viva!": ela olhou para o estojo, e e foi em direção à porta. Não sei porque algumas pessoas desprezam mais ele do que aquela pessoa que jamais pensaria no próximo.

Enfim, quando eu terminei a prova entreguei pra ele guardar e dei um sorriso solidário: ele olhou para a prova, e foi em direção à mesa.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 8/30/2006 04:43:00 PM   4 suspiros

quarta-feira, agosto 02, 2006
Extra-terrestre
Eu me lembro de quando era bem menino e morava numa cidade de interior bem remota. Em um fim de tarde, eu estava passando por um dos campos e sem querer avistei um vulto muito brilhante. Estava próximo, de certa forma, mas eu tive que caminhar além das árvores para me certificar do que era.

A luz vinha de um prisma retangular de pontas arredondadas, mas trazia a sua frente algo mais curioso. Um ser sem nenhum brilho físico, mas que brilhava de alguma forma pra mim. Parecia um humano, mas também um peixe. Eu não quis correr porque aquilo, por mais assustador que fosse, me fez sentir bem.

Ouvi um barulho atrás de mim, muito grande. Provavelmente não era só eu quem tinha visto aquele clarão. Depois de passos, ouvi gritos. Mas eu não entrei em pânico, sentia uma paz imensa. E vários minutos se passaram enquanto eu via aquela cena, aquele ser olhando pra mim com um brilho incerto, até parecia sorrir. E os gritos, diante do sorriso metafísico que não sei explicar, ficaram mais amenos pouco antes de soar um som alto e surdo, o tiro de uma espingarda. Um tiro vindo da multidão.

A paz que eu sentia se transformou numa normalidade pesada. Em outras palavras, tudo ao voltou normal, mas o normal não parecia uma coisa boa. Eu não consegui ver a expressão que o ser fez ao receber o tiro, mas pude ver a imagem dele e do seu transporte em forma de prisma mesclarem com o céu e com as colinas que existiam na paisagem fazendo com que, em poucos segundos, eles não estivessem mais lá. Não tinha mais prisma, não tinha mais ser diferente. Só tinha o campo escuro.

Naquela noite todos comentavam sobre o acontecimento, falavam sobre guerra entre dois mundos, enquanto eu guardava comigo a plena certeza de que se algo tem inteligência o bastante para chegar em outro planeta, esse algo também tem inteligência para não querer a guerra, mas sim, a paz. Nem todo mundo que não viu acreditou na história, claro. Mas foi depois daquele dia que minha cidade deixou de ser remota e passou a ser conhecida como uma "cidade mal-assombrada por ET's". Me pus a pensar: tentamos de tantas formas visitar outros planetas, mas nunca conseguimos sair da nossa encubada guerra interna.

(por Renan Ramiro)

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Soprou O Incrí­vel Cabeça de Vento @ 8/02/2006 03:16:00 PM   5 suspiros

O Homem Vento

Quem? Renan Ramiro.
Onde? Atmosfera.
Rapaz de estilo urbano, num tema me-vê-uma-goiaba. Arrisca uns rabiscos, coloca aqui. Apaixonado por música, por amigos e tem um coração de fácil acesso, embora não saiba classificar tal característica como boa ou ruim. Lê de vez em quando, é vegetariano e gosta de filmes que mostram o mundo de uma forma que as pessoas não estão habituadas a vê-lo. Ainda vive.

Algo mais?
Ventando
Ventado
Outros Ares
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